Conforme a Heráclito

A cobra é um nome de Deus,
disse o meu professor:
Toda a natureza é um fogo
em que ardemos e somos
renovados, uma pele
trocada e depois outra.

Conversar com o corpo
é o que a cobra faz, letra
após letra formada na relva,
em si uma língua, enrolando
os seus hieróglifos terrenos,
a luz do sol que a elogia
enquanto brilha ali na porta,
luz verde a abençoar a casa.

Esta é aquela voz a quem
poderias orar por respostas
para a tua doença:
deixa uma tigela de leite,
observa-a enquanto bebe

mas não rezas, vais buscar a pá,
com sangue velho na lâmina, e

logo que a agarres, vais segurar
essa escuridão que tanto temes
transformada em carne e brasas, 
um poder frio que se enrola em 
torno dos pulsos e estaria onde 
esteve sempre, em tuas mãos.

Este é aquele sem nome
dando a si mesmo nome,
um entre muitos e também
o seu próprio nome.

Sabes isso e ainda a matas.




Margaret Atwood | Selected Poems II
Selected Poems & New 1976-1986
Houghton Mifflin Harcourt, 1987.
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa 

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