Kiwi
O marido tinha uma pequena caixa de madeira
onde guardava trapos de polimento e pincéis,
latas planas de esmalte com a imagem de algo
semelhante a um pássaro nas tampas.
Sábado à noite era quando ela a retirava do
armário do corredor para polir os melhores
sapatos para ir à igreja, e foi aí que
teve a ideia de o fazer -
criar uma tela a partir de um lençol ou de um
das suas camisas de trabalho quase
desgastadas. Aí, pintaria uma tradução
do que tinha visto reflectido
na janela da cozinha, o seu rosto era o vidro
através do qual tinha de olhar,
e o que podia ver do mundo, via
através dele, indivisível
do pasto das traseiras - as suas maçãs do rosto, o seu
cabelo de vassoura, a linha das árvores um pico de
viúva, tudo isso lançou uma e outra vez
em tudo que tinha de - preto e castanho,
orvalho brilhante en desfile, lábios sangue de boi. E quando
voltou a colocar a tampa,
não pôde deixar de considerar o porquê
da silhueta tímida
desse pássaro, as duas notas do seu canto inaudível,
nada restando senão
os vestígios de asas - incapaz de voar, estrangeiro -
e a familiar arte da tristeza.
Claudia Emerson, impossible bottle: poems, Louisiana State University, 2015.
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa