Garrafa Impossível

 

Recordo-a como uma lente — grossa, dimensionada -

o seu pescoço o arrolhado


limiar de uma câmara, a câmara

um encapsulamento

do navio, um rápido veleiro, gracioso e esguio, as suas velas

imaculadas, os delicados


fios do seu cordame. Esse tipo de vidro verde

que a minha mãe tinha apenas visto


em cataventos ou como parte decorativa

de um pára-raios, o vidro,


a prova esculpida de sobrevivência de um impacto que

ainda não tinha acontecido.



Quando era pequena, conduzimos apenas uma vez

até ao oceano, todos tínhamos


medo desse tipo de água, desse horizonte.

No dia em que partimos para casa,


disse-me para encher uma garrafa com ar, para roubar

outras como recordação


para abrir e respirar numa noite de inverno

quando a janela do meu quarto


no sótão me trancaria e ameaçaria fazer-me

esquecer esse dia, o seu ar perigoso.



E lembra-se com exactidão de como o navio

aí entrou - suspenso,


engarrafado contra o vento e a água, sem deriva

no mar morto do armário


onde o guardaria; ela era, então, jovem

e nunca tinha visto o oceano.


Estava já a usar um anel numa corrente

à volta do pescoço para o esconder


da mãe dela. A chegada do navio fantasma

foi pelas mãos de um homem


na feira, que lhe levou dinheiro para a deixar

vê-lo deslizar o corpo magro e inerte,


para dentro da garrafa e depois -

com a mestria de um único puxão


de linha – fazê-lo erguer-se para o além

da sua casa que está selada, agora,


como diz, deve ser para os demasiado velhos.

Agora raramente abre uma janela,


mesmo no dia mais ameno - impossível

como sempre foi


preocupar-se demasiado com o vento.




Claudia Emerson in impossible bottle: poems, Louisiana State University, 2015.

Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa

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