Garrafa Impossível
Recordo-a como uma lente — grossa, dimensionada -
o seu pescoço o arrolhado
limiar de uma câmara, a câmara
um encapsulamento
do navio, um rápido veleiro, gracioso e esguio, as suas velas
imaculadas, os delicados
fios do seu cordame. Esse tipo de vidro verde
que a minha mãe tinha apenas visto
em cataventos ou como parte decorativa
de um pára-raios, o vidro,
a prova esculpida de sobrevivência de um impacto que
ainda não tinha acontecido.
…
Quando era pequena, conduzimos apenas uma vez
até ao oceano, todos tínhamos
medo desse tipo de água, desse horizonte.
No dia em que partimos para casa,
disse-me para encher uma garrafa com ar, para roubar
outras como recordação
para abrir e respirar numa noite de inverno
quando a janela do meu quarto
no sótão me trancaria e ameaçaria fazer-me
esquecer esse dia, o seu ar perigoso.
…
E lembra-se com exactidão de como o navio
aí entrou - suspenso,
engarrafado contra o vento e a água, sem deriva
no mar morto do armário
onde o guardaria; ela era, então, jovem
e nunca tinha visto o oceano.
Estava já a usar um anel numa corrente
à volta do pescoço para o esconder
da mãe dela. A chegada do navio fantasma
foi pelas mãos de um homem
na feira, que lhe levou dinheiro para a deixar
vê-lo deslizar o corpo magro e inerte,
para dentro da garrafa e depois -
com a mestria de um único puxão
de linha – fazê-lo erguer-se para o além
da sua casa que está selada, agora,
como diz, deve ser para os demasiado velhos.
Agora raramente abre uma janela,
mesmo no dia mais ameno - impossível
como sempre foi
preocupar-se demasiado com o vento.
Claudia Emerson in impossible bottle: poems, Louisiana State University, 2015.
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa