Um Pensamento

 

Algures no seu cérebro há um mapa

cognitivo, uma constelação


de células afundadas profundamente na matéria cinzenta – e aí,

um homem, esse a quem ela disse


não, recusa-se a desaparecer com esse

verão longínquo em ela que lhe


pediu uma casa emprestada, como se para o pedir emprestado,

ou tempo. Aí, planeou


a despedida agradável sabendo que ele a irá

contestar. Ele até gosta


da palavra amante, do seu sibilo,

o seu brilho é um beijo demorado.


Ela prepara uma banheira funda, acende velas

na borda, a água liberta


vapor como culpa, tristeza, alívio. Ele está atrás dela

no banho, dizendo qualquer coisa,


nenhuma, as suas mãos quentes e húmidas envolvendo

agora não os seus ombros


mas a sua garganta com aquilo que o cérebro pode não ter

armazenado de forma alguma - tão perto


para tornar comum o gesto. Ele deixa-os

permanecer como o pensamento que


tem ou não tem, sobre o que

poderia fazer, mas não o faria,


um dedo a traçar o entalhe oco que tricota

as suas clavículas juntas,


pela última vez, traçando-o. Dormirá bem

e acordará pela manhã


antes dela. Trará cerejas frescas

num saco de papel que farfalha


com o movimento da sua mão enquanto recoloca

recoloca cada uma com o seu lugar,


metódico, tal a fome é capaz.

Voltará para a sua mulher,


os seus filhos, a loja onde vende sebo

e sementes, para o sino


que pendurou de modo a tilintar docemente quando

alguém entra, atraído


pelas casas pintadas de cores vivas para morcegos

e pássaros. Entrem, entrem,


diz-lhes, e de novo, agora, a ela,

enquanto sorri de trás


do balcão, apenas um pensamento, apreciando como

tal não deixa de lhe assentar bem.




Claudia Emerson, impossible bottle: poems, Louisiana State University, 2015.

Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa

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