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A Velocidade Da Luz

Tão gradual naqueles verões foi a passagem da idade parecia que os longos dias que se iniciavam quando as estrelas desapareceram sobre as montanhas não estavam a deixar-nos quando os pássaros acordavam a cantar e o orvalho brilhava nas teias parecia então que a manhã clara a o abrir- se para o céu era algo nosso para ter e manter e que o brilho que não poderíamos tocar e o ar que não conseguíamos segurar esteve lá o tempo todo para nós e nunca se iria embora e que o eixo nunca ouvimos dizer que não rodava quando o carro antigo tossiu no celeiro do carpinteiro e rebolou ecoando a primeira coisa a entrar em pista e o único tractor na aldeia retumbou e entrou em seu ferrugentos murmúrios antes de sair do seu alpendre no bater leve das vacas e à sombra da tília não vimos que as andorinhas piscavam e as fagulhas dos seus gritos eram rápidos nos raios do vazio a roda que girava e girava levando-nos a todos juntos com os pneus da carrinha do padeiro onde as rodas de pão estavam empilh...

Corrente Corrente Corrente

Trinta anos depois do tempo da virgem: um sobrinho era o portador dos anéis, os anéis atados com fitas lisas sobre a pequena almofada de cetim em que os levou. Fingindo rezar, observei formigas rastejndo nos seus sapatos engraxados. O pastor enumerou quem morrera há muito tempo de cancro. incluíndo o meu irmão; nessa manhã chegara drogado, com o cabelo comprido, óculos de sol à aviador com lentes ofuscantes; e o cunhado e os sogros, o meu próprio pai, todos mortos, agora. A amiga que mais tarde colocaria uma almofada sobre o rosto e dispararia sobre si através dela, sabia o que eu queria e enviou-o embrulhado em papel de talhante: um vestido de noiva Mexicano, branco sobre branco bordado, pontos densos, intrincado - a assinatura da costureira, uma única madeixa preta do seu cabelo cosido no jugo do casamento. Foi, de facto, perfeito. Isto é. O ar de Abril está mais frio que do nunca. Danço de corrente em corrente em corrente antes de a tirar de novo e aliment...

Kiwi

O marido tinha uma pequena caixa de madeira onde guardava trapos de polimento e pincéis, latas planas de esmalte com a imagem de algo semelhante a um pássaro nas tampas. Sábado à noite era quando ela a retirava do armário do corredor para polir os melhores sapatos para ir à igreja, e foi aí que  teve a ideia de o fazer - criar uma tela a partir de um lençol ou de um das suas camisas de trabalho quase desgastadas. Aí, pintaria uma tradução do que tinha visto reflectido na janela da cozinha, o seu rosto era o vidro através do qual tinha de olhar, e o que podia ver do mundo, via através dele, indivisível do pasto das traseiras - as suas maçãs do rosto, o seu cabelo de vassoura, a linha das árvores um pico de viúva, tudo isso lançou uma e outra vez em tudo que tinha de - preto e castanho, orvalho brilhante en desfile, lábios sangue de boi.  E quando  voltou a colocar a tampa , não pôde deixar de considerar o porquê da s...

Balada Assassina

Em construção

Depressa

  As suas filhas nasceram depressa, três seguidas, as duas mais velhas a decepção comum que a maioria das raparigas é para os pais, a terceira uma filha de Deus , disse ela; um estúpido-pássaro , declarou, lento como uma corrente através da lama . A casa que nunca deixaria ficava na rua mais íngreme da cidade, as raparigas mais velhas aí aprenderam a ser rápidas em patins e trenós, e depressa tinham idade suficiente para homens casados, e por tal eram tão fáceis, rápidas e agradecidas - sem limpeza, sem lutas, apenas carros e a inclinação íngreme de uma noite de verão, e a mentira rápida que uma hora pode ser, a mais astuta depois de cuidar dos seus filhos, a estrada onde estacionaram,  a única que tinha todas as curvas - veados mortos nas valas - e seguiram-na como se estivessem a arrombar uma casa só por diversão, como se estivessem a roubar o ar de outra pessoa, a escuridão de de outra pessoa, de que nem a mulher mais...

Clima

 para Kent Disseram que não tinham categoria para isso, uma coisa híbrida que baptizaram e enumeraram de qualquer forma. Os meteorologistas não conseguiram deixar de ser delirantes; o seu centro maciço e lento, o seu corpo nascido no oceano vindo para o interior em corpos, um inverno, um tropical, uma coisa conjugada que jamais ninguém vira; quão saudável era, maravilhavam-se, quão determinada - parte ciclone, parte nevão, parte furacão, tornado, tudo isso, tudo isso se aplica. Apontaram para mapas, medições e gráficos; lutaram para a localizar e prever o que poderia fazer. São já inúmeras as interrupções, encerramentos. Aqui catalogaste, armazenaste o que poderíamos de precisar - pilhas, velas, fruta enlatada, água engarrafada, fósforos, o rádio transistor. Ouvimos o vento; esperamos. Estavas mais inquieto do que eu estava, saindo repetidas vezes para a varanda, para ver por ti próprio, inclinando-te para ela, como se ...

Quisto

  Disse que já tinha feito um aborto e depois teve um caso com um homem casado, depois outro, a sua solidão sempre inquieta, o seu corpo solitário por algo sem nome como tinham sido, ou como ela os fez. Disse que começou por ser pressão, não propriamente dor, e descobriram do lado de fora o útero, agarrado a um ovário, tendo concebido de si mesmo. Quando o retiraram, disseram-lhe que o podia ver se quisesse: apenas uma curiosidade com os dentes, o cabelo e as unhas. Estranho mas benigno, o médico disse, quase sempre benigno, acenando na sua direção como se pudesse concordar com ele, como se fosse esse o facto, tudo isso: curioso erro que um corpo pode cometer. Claudia Emerson, impossible bottle: poems , Louisiana State University, 2015.

Um Pensamento

  Algures no seu cérebro há um mapa cognitivo, uma constelação de células afundadas profundamente na matéria cinzenta – e aí, um homem, esse a quem ela disse não, recusa-se a desaparecer com esse verão longínquo em ela que lhe pediu uma casa emprestada, como se para o pedir emprestado, ou tempo. Aí, planeou a despedida agradável sabendo que ele a irá contestar. Ele até gosta da palavra amante , do seu sibilo, o seu brilho é um beijo demorado. Ela prepara uma banheira funda, acende velas na borda, a água liberta vapor como culpa, tristeza, alívio. Ele está atrás dela no banho, dizendo qualquer coisa, nenhuma, as suas mãos quentes e húmidas envolvendo agora não os seus ombros mas a sua garganta com aquilo que o cérebro pode não ter armazenado de forma alguma - tão perto para tornar comum o gesto. Ele deixa-os permanecer como o pensamento que tem ou não tem, sobre o que poderia fazer, mas não o faria, um dedo a traçar o e...

A Última Noite

A doença manteve a sua casa da forma que o inverno mantinha o jardim, um noivado; o que tinha sido esquecido no início manteve-se assim - o pouco que que lembrava era desconfortável, vago, a superfície do bebedouro dos pássaros opaca como vidro leitoso, os amores-perfeitos em colapso brilhante. O correio recolhido como folhas reunidas pelo vento nos cantos; livros que abandonara, as páginas abertas, viradas para baixo, cada um algures perto de um início. Mas o relógio de sol manteve-se fluente na luz - no tempo - e as tardes regressaram lentamente para ela, tentando abrir bem a janela como se quisesse um ar mais ameno, o cotovelo encostado no peitoril, uma cúspide, onde aprendeu a enganar pássaros para que confumdissem a sua mão em concha com o comedoro que tinha pendurado ao lado, o braço como a fina coluna de uma vela, e aperfeiçoara a sua partida para a noite, a forma como não tremeu sob a chama. Claudia Emerson, impossible bottle: poems , Louisiana State...

Acidente no Pasto

  Nessa manhã, todos eles atravessaram a pé. Estavam habituados à sua voz, a sua mão dela nas suas espinhas, nos seus flancos, os seus dedos nas suas crinas, nas suas caudas, a pressão que exercia sobre os pedaços que deixavam que colocasse nas suas bocas. Passe a ferro o instante, então, quando se baixou para prender uma fivela num cobertor - a física de uma bola de demolição, a parede do casco e a sola que conhecia melhor os perímetros deste pasto afundavam-se agora da mesma forma na profundidade da sua face, a maçã do rosto, sobrancelha, nariz, testa, maxilar, a órbita do seu olho esmagada e com ela esse lado do mundo. Ficou quase cega, o sangue já frio e a coagular; através dele ouviu a erva a mexer, a arritmia do pastoreio, um suspiro aborrecido. O nevoeiro dissipou-se e tornou-se chuva; conseguia distinguir um corvo a beber de uma pegada de sangue na lama - como se fosse algo quebrável - o que restava de um cavalo, de...

Garrafa Impossível

  Recordo-a como uma lente — grossa, dimensionada - o seu pescoço o arrolhado limiar de uma câmara, a câmara um encapsulamento do navio, um rápido veleiro, gracioso e esguio, as suas velas imaculadas, os delicados fios do seu cordame. Esse tipo de vidro verde que a minha mãe tinha apenas visto em cataventos ou como parte decorativa de um pára-raios, o vidro, a prova esculpida de sobrevivência de um impacto que ainda não tinha acontecido. … Quando era pequena, conduzimos apenas uma vez até ao oceano, todos tínhamos medo desse tipo de água, desse horizonte. No dia em que partimos para casa, disse-me para encher uma garrafa com ar, para roubar outras como recordação para abrir e respirar numa noite de inverno quando a janela do meu quarto no sótão me trancaria e ameaçaria fazer-me esquecer esse dia, o seu ar perigoso. … E lembra-se com exactidão de como o navio aí entrou - suspenso, engarrafado contra o vento e a água,...

Maquilhadora da Casa Mortuária

  O armário dos medicamentos tornou-se nela, o seu rosto uma pequena porta que abre e fecha – o seu armazém de curas guardadas, receitas para a tristeza, um frasco para si própria na escola de beleza, os cadáveres para os quais treina - o seu corpo a parede, a tomada e o ralo. Diariamente usa um avental largo, bolsos abertos, transporta um carrinho plástico rígido - um arsenal organizado de pequenas tesouras, pinças, uma lâmina de barbear, loções, e delineadores para os olhos, para os lábios. O centavo na língua é ideia dela, pensa, um losango acobreado não muito diferente da tristeza que saboreia ao gastar e gastar assim - esta, sílaba insolúvel. Claudia Emerson, impossible bottle: poems , Louisiana State University, 2015.

Ecologia

  A amargura, aqui, não é coagulante ou conservante; é, depois de tantos anos, uma ecologia, algo que cultiva como o musgo que cresce entre as pedras do jardim; não confiando o seu amor comprovado pela sombra, deita-lhe leitelho cuja acidez sabe ser agradável. Como isto se atreve a lembrá-la da tia-avó que a criou, da estola de vison que usava para ir à igreja, coisa preciosa, criada em gaiola, criada para o pescoço. Lembra-se da pequena corrente que a prendia, a forma como parecia segurar as suas patas traseiras nos seus dentes, o brilho do espelho dos seus olhos. A forma como a via a ela e só a ela. Claudia Emerson, impossible bottle: poems , Louisiana State University, 2015.

Televisionado

Notícias televisivas transformam a utilidade de um meio dia num desperdício de desolação. Se nada de maravilhoso preceder os anúncios catastróficos, de certo nada lhes seguirá, a não ser os rostos de olhos tristes das crianças ossudas, as barrigas dilatadas a troçar da sua fome. Porque razão são sempre Pretas? Por quem esperam? A carne da costeleta de borrego cheira mal e não pode ser comida. Até mesmo as verdes ervilhas rolam no meu prato sem serem tocadas. A inocência acasalada à indefesa esperança no rosto das crianças. Por que as crianças pretas têm esperança? Quem lhes trará ervilhas e costeletas de borrego e mais uma manhã? Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa

A Lição

Continuo a morrer de novo. As veias colapsam, abrindo-se como os Pequenos punhos de recém-nascidas Crianças. Memória de túmulos antigos, A carne podre e os vermes Não me convencem a abandonar O desafio. Os anos E a fria derrota vivem profundamente Ao longo das linhas do meu rosto. Cegam os meus olhos, ainda Continuo a morrer, Porque amo demasiado viver. Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vi nuesa.

O Viajante

Por caminhos e passados E noites longas, solitárias Raios de sol, ondas do mar E estrelas e pedras Sem homens, sem amigos Nenhuma gruta a minha casa Esta é a minha tortura Minhas noites longas, solitárias Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa.

Ao Pensar em Mim

Ao pensar em mim, Quase morro a rir, A minha vida tem sido uma grande anedota, Uma dança que andava Uma canção que falava, Rio tanto que quase me engasgo Ao pensar em mim. Sessenta anos no mundo dessa gente A criança para quem trabalho chama-me menina E digo “Sim, minha senhora” a bem do trabalho. Demasiado orgulhosa para dobrar Demasiado pobre para quebrar, Rio até me doer o estômago, Ao pensar em mim. A minha gente pode discordar de mim, Ri-me tanto que quase morri, As estórias que contam parecem mentiras, Cultivam a fruta, Mas comem a casca, Rio-me até começar a chorar, Ao pensar na minha gente. Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa .

Quando Vens

Quando vens até mim, espontaneamente, Acenando-me Desses quartos antigos, Onde estão as memórias. Oferecendo-me, como a uma criança, um sótão, Encontros de alguns dias. Bugigangas de beijos roubados. Bugigangas de amores emprestados. Arcas de palavras secretas, CHORO. Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa.

Mulher Fenomenal

A s mulheres belas perguntam-se onde está o meu segredo. Não sou engraçada nem feita para usar o tamanho de um modelo Mas quando começo a contar-lhes, Pensam que estou a mentir. Digo, Está no alcance dos meus braços A extensão dos meus quadris, A passada do meu passo, A curvatura dos meus lábios. Sou uma mulher Fenomenalmente. Uma mulher fenomenal É o que sou. Entro numa sala Tão simpática quanto quiseres, E dirijo-me a um homem, Os companheiros levantam-se ou Caem de joelhos. Depois enxameiam à minha volta, Uma colmeia de abelhas. Digo, É o fogo nos meus olhos, E o brilho dos meus dentes, O balanço na minha cintura, E a alegria nos meus pés. Sou uma mulher Fenomenalmente. Uma mulher fenomenal É o que sou. Os próprios homens questionaram O que veem em mim. Esforçam-se tanto Mas não conseguem tocar O meu mistério interior. Quando tento que o vejam Dizem que ainda não o conseguem ver. Digo, Está no arco das minhas costas, O sol do meu sorriso, O pas...

Recusa

Q uerido, Em que outras vidas ou terras Conheci os teus lábios As tuas mãos A tua gargalhada corajosa Irreverente. Estes doces excessos que adoro. Que garantia existe Que nos voltaremos a encontrar, Noutros mundos, em algum Tempo futuro sem data. Desafio a pressa do meu corpo. Sem a promessa De mais um doce encontro Não me vou dignar a morrer. Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa.

Acerca de Envelhecer

Quando me vires sentada em silêncio, Como um saco deixado na prateleira, Não penses que preciso da tua conversa. Estou a ouvir-me. Aguenta! Pára! Não tenhas pena de mim! Aguenta! Pára com a tua simpatia! Tento fazer com que me entendas, Senão, passarei bem sem isso! Quando meus ossos estiverem rígidos e doridos, E os meus pés não subirem a escada, Só te irei pedir um favor: Não me tragas nenhuma cadeira de baloiço. Quando me vires a andar, tropeçando, Não observes e te enganes. Porque o cansaço não significa preguiça E cada despedida não terminou. Sou a mesma pessoa que era nessa altura, Um pouco menos de cabelo, um pouco menos de queixo, Muito menos pulmões e muito menos vento. Mas não tenho a sorte de ainda poder respirar. Maya Angelou p oems | Poemhunter The World's Poetry Archive, 2012. Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa.

Igualdade

D eclaras que me vês vagamente através de um vidro que não brilha, embora esteja diante de ti com ousadia, De pé equilibrada a marcar o passo. Reconheces que me ouves fracamente como um sussurro fora do alcance, quando os tambores batem a mensagem e os ritmos nunca mudam. Igualdade e serei livre. Igualdade e serei livre. Anuncias que meus caminhos são devassos, que voo de homem para homem, mas se sou apenas uma sombra para ti, como o poderias entender? Vivemos uma história dolorosa, conhecemos o passado vergonhoso, mas continuo a seguir em frente, e continuas a chegar em último lugar. Igualdade e serei livre. Igualdade e serei livre. Retira as vendas da tua visão, retira os tampões dos teus ouvidos, e confessa que me ouviste chorar, e admite que viste as minhas lágrimas. Ouve como ritmo é tão convicente, ouve o sangue pulsar nas minhas veias. Sim, os tambores batem durante as noites, e os ritmos nunca mudam. Igualdade e serei livre. Igu...